Celebridades do Mundo do Samba

A Madrinha do Samba a Madrinha da Alegria

Por Anita Carvalho

Ninguém melhor do que Anita Carvalho, para falar de Beth Carvalho, a Madrinha do Samba. Cheia de emoção, a amiga e mulher do empresário da cantora fala de um dos mais importantes nomes do carnaval carioca e da música popular brasileira.

“E sendo assim, a minha voz não vou calar ”
Fogo de saudade”, de Sombrinha e Arlindo Cruz

Eu poderia falar da artista que lançou inúmeros talentos, que resgatou Cartola, que valorizava os compositores como ninguém, que inovou ao homenagear seu empresário dedicando a ele seu último DVD, “Beth Carvalho ao vivo no Parque de Madureira”. Eu poderia falar da cantora com timbre inconfundível e insubstituível, de repertório preciso e biografia musical impecável. Eu poderia falar da mulher que se impôs em um ambiente predominantemente masculino, em tempos em que o feminismo não estava na pauta do dia. Eu poderia falar da cidadã consciente de seu papel político, que sempre teve lado e nunca se preocupou com reações negativas, que deixou escrito um último bilhete para o presidente Lula, em resposta a uma carta que havia recebido dele – carta essa que, emoldurada, estava ao seu lado no velório. Eu poderia falar da guerreira que jamais se abateu diante de seus problemas de saúde e que chegou a se apresentar deitada, em respeito ao seu público. Mas, nesse texto, que só tive coragem de escrever uma semana após sua partida, preferi falar do ser humano que irradiava alegria e sorrisos. Muito se comenta sobre o sofrimento da Beth diante das longas internações pelas quais passou, por conta de seus já conhecidos problemas na coluna. Mas “sofrimento” nem de perto era a palavra que definia seu sentimento. O que dizer de alguém que chamava o suporte do soro de “alegoria de mão”? Que comemorou seu aniversário com uma feijoada dentro do Pró Cardíaco? Que fazia as enfermeiras mostrarem seu samba no pé? Por isso sua partida está sendo tão dura; por que ela nos convenceu que esse dia nunca chegaria. Ela partiu acreditando que em alguns dias estaria no lugar que mais ama: o palco. Partiu cheia de planos, como gravar um disco chamado “Brasileiríssima”, com músicas de todas as regiões do Brasil. E ainda queria fazer um programa de TV para apresentar novos talentos. Beth partiu, tendo ao seu lado familiares e amigos (eu inclusive), ouvindo “O show tem que continuar”. Nada poderia ser mais simbólico. Eu cresci em uma casa em que se ouvia Beatles de dia e de noite, então eu achava que não gostava de samba. Até assistir seu primeiro show, na gravação do DVD “A madrinha do samba”, lá em 2004. Ela abriu com “Andança”, arrebatando a platéia. Depois seguiu com “1800 colinas”. Daí emendou naquela sequência imbatível de sucessos que todo mundo já conhece. Pronto, eu descobri que gostava de samba e não sabia! Meu papel, como parceira de Afonso Carvalho, seu empresário, era ajudar a dar asas aos seus sonhos. E que sonhos! Com ela gravamos “A Madrinha do Samba” (2004); “Beth Carvalho ao vivo no Teatro Municipal” (2005); “Beth Carvalho canta o samba da Bahia” (2006); “Beth Carvalho ao vivo no Festival de Montreaux” (2006); o álbum de estúdio “Nosso samba tá na rua” (2011), cheio de músicas inéditas, premiado com o Grammy Latino – prêmio que Beth também recebeu pelo conjunto da obra; e o emocionante “Beth Carvalho ao vivo no Parque de Madureira”, já na sua volta aos palcos depois de um período de um longo período internada (2014). Nesse período Beth ainda fez diversas participações em discos de novos artistas, chegando a gravar até no hospital. Beth deixa ainda um DVD inédito, em homenagem a Nelson Cavaquinho. Aliás, uma curiosidade interessante: Beth, na sua visão afiada, fazia uma espécie de “pesquisa de mercado” (que ela chamava de “bate-bola”) pra escolher seu repertório. Ela juntava desde o porteiro até o crítico musical (e mais recentemente as enfermeiras!), apresentava 40 músicas pré-selecionadas e o pessoal dava notas em uma cédula. As mais votadas entravam no disco. Desnecessário falar da falta que ela vai fazer. Primeiro, como a artista magistral que sempre foi. Segundo, como uma amiga querida que a vida me deu de presente (apesar de termos o mesmo sobrenome, não somos parentes).

Com a mesma alegria que marcou sua vida,
faço coro com ela dizendo:
“E a gente vai ser feliz
Olha nós outra vez no ar
O show tem que continuar!”

Viva Beth Carvalho!

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